A alma que se
dá a Deus experimenta a principio, consolações sensíveis. O Senhor procura
atraí-la e desprende-la dos prazeres terrenos, para que ela vá se desapegando
das criaturas e unindo-se a ele. Contudo, pode unir-se a ele seguindo um
caminho errado, levada mais pelo gosto das consolações espirituais, do que por
uma verdadeira vontade de agradar a Deus. Engana-se, pensando que tanto mais o
ama, quanto mais gosto encontra nas suas devoções. Daí provém inquietar-se e
afligir-se ao ser perturbada nos exercícios de piedade que lhe davam prazer,
quando deve fazer outras coisas por obediência, ou por caridade, ou por
obrigações do seu próprio estado.
É um defeito
universal de nossa fraca humanidade procurar em tudo a própria satisfação. Não
encontrando nestes exercícios o prazer desejado, deixa-os ou ao menos os reduz.
Reduzindo-os de dia para dia, finalmente deixa todos. Essa desgraça acontece a
muitas almas. Chamadas por Deus ao seu amor, começam a marchar no caminho da
perfeição e avançam enquanto duram as consolações espirituais. Mas depois,
quando elas acabam, abandonam tudo e voltam a vida antiga. É preciso
persuadir-nos de que o amor de Deus e a perfeição não consistem em sentir
consolações, mas em vencer o amor próprio e fazer a vontade de Deus.
- Diz São Francisco de Sales:
“Deus é tão digno de nosso amor quando nos consola e quando nos faz sofrer”
No
tempo das consolações não é grande virtude deixar os gostos sensíveis e suportar
as ofensas e contrariedades. No meio das alegrias a alma suporta tudo. Essa
paciência nasce, muitas vezes, mais das consolações do que da força do
verdadeiro amor a Deus.
Por
isso, com a finalidade de consolidá-la na virtude, o Senhor retira-se e lhe
recusa esses gostos sensíveis para destruir todo o apego ao amor próprio que se
alimentava com tais satisfações.
Primeiro
sentia gosto em fazer atos de oferecimento, confiança, amor; depois que secou a
fonte de consolações, faz estes atos com frieza e dificuldade. Fica aborrecida
com os exercícios mais piedosos, com a oração, com a leitura espiritual, com a
comunhão. Só vê trevas e temores e tudo lhe parece perdido. Reza, torna a
rezar, e se aflige por lhe parecer que Deus não a ouve.
Vejamos
na prática o que devemos fazer da nossa parte. Quando o Senhor, por sua
misericórdia, nos consola com visitas consoladoras e nos faz sentir a presença
de sua graça, não é bom rejeitar essas consolações, como queriam alguns falsos
místicos. Aceitemo-las agradecidos, mas
cuidemos em não nos determos nelas com complacências. A isto São João da
Cruz chama de ‘gula espiritual’, o que é defeito e não agrada a Deus.
Esforcemo-nos
em afastar de nossa alma a complacência sensível nessas consolações. Cuidemos
especialmente em não pensar que ele usa de tais finezas conosco, porque nos
comportamos com ele de forma melhor que os outros. Esse pensamento de vaidade
obrigaria o Senhor a retirar-se inteiramente de nós e a nos deixar em nossa
miséria. Devemos agradecer a Deus porque essas consolações espirituais são dons
que ele nos fez, bem maiores do que todas as riquezas e honras temporais. Não
sejamos famintos em saborear essas satisfações sensíveis, mas sejamos humildes,
tendo diante dos olhos os pecados da vida passada.
É
preciso crer que essas consolações são pura consequência da bondade de Deus.
Talvez o Senhor antes nos conforte para que depois soframos com paciência
alguma grande tribulação que deseja nos enviar.
Por
isso, ofereçamo-nos para suportar qualquer sofrimento externo ou interno,
enfermidades, perseguições, aridez espiritual, dizendo-lhe: “Meu Senhor, aqui
estou. Fazei de mim e de tudo o que tenho o que vos aprouver. Dai-me a graça de
vos amar e de cumprir perfeitamente a vossa vontade, e nada mais vos peço!
A Prática de amor a Jesus Cristo Cap XVII–
Santo Afonso Maria de Ligório
Muito verdadeiro.
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